Não arranjes se não estiver estragado

Existe uma anedota em que uma pessoa com dores de cabeça, tonturas, vómitos e dores de pés foi consultar vários especialistas, e constatava que o otorrinolaringologista dizia que tinha um problema nos ouvidos, o podologista suspeitava de uma infecção nos pés e que o neurologista afirmava tratar-se de uma lesão cerebral.

Exactamente da mesma forma, se se apresentar a um arquitecto o problema que se coloca em relação à produção agrícola próxima das cidades, aparecem soluções que se tratam, basicamente, de edifícios.
O resultado de algo que suspeito ter começado como um conceito deliberadamente utópico, de repente degenerou numa miríade de projectos delirantes um pouco por todo o mundo.

Para quem gosta de história é curioso ver uma réplica  tão perfeita da utopia iluminista do Ledoux, por vezes com os mesmos desenhos delirantes involuntariamente replicados 200 anos depois (ver abaixo).
Ledoux pretendia desenhar uma materialização da racionalidade da civilização, nós não nos satisfazemos com projectar o meio mais caro e ineficiente possível de  plantar alfaces- também queremos mesmo construí-lo.


















É difícil saber por onde começar ao criticar edifícios dedicados à agricultura portanto aí vão algumas razões:

- Um edifício custa várias centenas de euros por m2, e a diferença do seu valor imobiliário para o uso como habitação ou serviços pagaria milhares de hectares agrícolas do outro lado do mundo, para não falar das toneladas em materiais de construção. Existem culturas que justificam o investimento mas não são legais!

- Para ter produção animal nestas condições tem que se seguir a cartilha das piores condições possíveis em termos de densidade, isto se se ignorar os problemas de despejo de resíduos. Para haver produção vegetal tem que se recorrer à hidroponia, que consome enormes quantidades de inputs químicos e energia. De que vale produzir localmente se se tem quantidades enormes de materiais a entrar neste anti-ciclo?

- Nem sequer resolve os problemas alimentares ou territoriais porque mantém-se a dependência externa e estimula-se ainda mais a construção periurbana, a verdadeira quinta urbana.
















Isto quer dizer que não há lugar para infra-estrutura agrícola nas cidades?
Claro que não- como nos casos nipónicos acima as coberturas (aquilo é um batatal à esquerda) e varandas são um sítio tão bom como outro para plantar pequenas indulgências, como aromáticas ou morangos, e existem bastantes lotes "em espera" que podem e devem fazer companhia às emergentes hortas comunitárias.
Não podem é alimentar as cidades- essa função foi e poderá ser novamente cumprida substancialmente pela periferia.

3 comentários :: Não arranjes se não estiver estragado

  1. http://www.youtube.com/watch?v=Yhhfr_hIL7A

  2. parabéns pelos artigos, parabéns pelo blog.

  3. @sucast

    Agradeço a visita e a gentileza!

    @Aqualung

    Obrigado pela referência, assisti a este documentário num ciclo de conferências sobre cidadania e agora estou inspirado para um post sobre filmes-referência :)

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