Memórias e Ruralismos

É uma fatalidade: a cada par de décadas reemerge em algum lado um movimento de "regresso à terra". Mas existe algo em comum entre as diversas reencarnações ou são reacções a pressões políticas e económicas, através de uma idealização do mundo rural?



O "back to the land" nos EUA dos anos 70 foi um impulso de isolacionismo ao que era percebido como um falhanço e diluição política dos vários movimentos de jovens do final da década de 60, reforçado por uma crise energética e política da Guerra Fria e que teve o seu expoente intelectual no Ecotopia . Quase de seguida no R.U. a estéril vida industrial dos subúrbios britânicos são contrastados com o programa "The Good Life" e os livros do John Seymour. São influências que se propagaram também pelo norte e centro da Europa sob todo o tipo de formas, garantindo que este conceito ficasse para sempre associado a esta era.
O isolacionismo e o idealismo ditaram a sua fugacidade mas continua um ensaio sobre como dadas opções de estilo de vida podem funcionar como formas de activismo e crítica política e económica.

Tudo isto contrasta com a excepção da realidade portuguesa, em que um outro tipo de concepção idealizada de um singelo e estático mundo rural era eficientemente instrumentalizada para criar um sedutor apelo ao conformismo político e intelectual. Alheia a esta construção propagandista e ao movimento global de recuperação da horticultura DIY via-se nos quintais, a manutenção (até hoje) das galinhas, batatas e couves galegas acompanhadas do inevitável limoeiro e de da prática de alguma produção de subsistência até hoje.
A partir do fátuo boom dos anos 80-90 quaisquer benefícios reais ou potenciais de estilos de vida apenas superficialmente análogos ao do ruralista sonho molhado do Estado Novo (que ainda hoje é imbecilmente invocado) são associados a um passado de repressão política (eficientemente auto-exercida, e que sobrevive até hoje) ou a um contexto de miséria que deixou mais memórias do que saudades.

É difícil identificar-me com os sonhos de um hippie/baby-boomer americano, nem com uma ilustração a lápis da Colecção Educativa dos anos 60, mas existe hoje o contexto certo para algo mais livre, prático e consequente.

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