Ratinho por uns tempos [IV]



Nesta primeira quinta onde fui "ratinho beirão" ou "caramelo de ir e vir" os meus anfitriões de raízes estrangeiras despertaram-me a curiosidade inicial tanto pelo enorme conhecimento que têm do mundo que os rodeia e do qual de facto dependem absolutamente como pelas maravilhosas contradições do seu estilo de vida, que por sua vez salientam as contradições do estilo de vida praticamente oposto, que praticamos na nossa maioria, se quisermos ser auto-críticos.

Não entendo estas contradições como uma fraqueza nas suas motivações, especialmente se se tiver em conta que os objectivos originais, conscientemente ou não, eram (são) admissivelmente idealistas e provocadores e acho até que está precisamente aí o seu valor - em viver intencionalmente e com um objectivo alheio a qualquer expectativa externa.

Que contradições relativas são estas? Querem a liberdade total dos patrões e do escritório mas não há patrão mais exigente e inclemente que a pecuária, onde a liberdade vai até onde a limpeza dos recintos, alimentação das crias e risco de mastites deixam ir.
Querem a independência total de uma economia baseada em combustíveis fósseis mas é impraticável ter uma queijaria legalizada sem instalações eléctricas e geradores, o que leva ao paradoxo (cruel para o wwoofer mimado) de existir luz e aquecimento na queijaria mas não em casa.

Foi este ideal de auto-suficiência que esteve na origem da mudança para Portugal, com a sua terra barata e longa época produtiva. Durante algum tempo viram este país só através destas características, até descobriram que facilmente passariam fome sem a ajuda dos vizinhos portugueses, com os quais têm agora uma relação amistosa, baseada também na troca de produtos e serviços.

Muitas das pessoas que os ensinaram a arranjar porcos e borregos, a plantar as culturas mediterrânicas e a adaptarem-se à cultura estão hoje idosos, mas têm uma retribuição porque bastantes baldios da envolvente são limpos por estes estrangeiros. Através dos pelo menos 4 terrenos com milho (quase 4 hectares ao todo) que lhes são cedidos e, porque pouco dinheiro têm ou querem ter, trocam muito com os vizinhos, especialmente o requeijão e a carne que não podem vender através da queijaria.

E assim de repente a auto-suficiência heróica foi substituída pela descoberta mais humilde e valiosa da interdepência de todas as coisas e pessoas.

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