Ratinho por uns tempos [I]
Quando cheguei à quinta dos Märkl (coitados, pronuncia-se "Merkel") a maior parte do meu entusiasmo com o WWOOFing tinha sido substituído pelo receio mais básico que aparece quando me apercebo de que estou numa área bastante remota e pouco povoada do país e que se desaparecesse nunca ninguém saberia onde ou com quem estava.
Sair sem ninguém saber para onde nem para o quê é provavelmente a estratégia errada para experiências uma vez que se tratava provavelmente do ponto da minha vida onde não via grandes razões para confiar noutras pessoas. Por isso, mudar-me durante umas semanas para uma quinta que se anunciava "orgulhosamente só" nos seus 90% (!?) de auto-suficiência parecia tudo menos a reacção mais óbvia ou recomendável.
Cinco minutos depois de chegar já sabia que não havia grande tempo para tretas deste tipo, "é Verão e trabalha-se 14 horas por dia", por isso no mesmo gesto que os cumprimentos passaram-me um estojo de facas para a mão, pousaram-me o saco na sala e fomos matar o cabrito que nos tinha acolhido aos saltitões de alegria momentos atrás. Nunca tinha morto realmente nada maior do que uma unha e procurei ter o máximo de sangue frio para a rapidez do processo mas é complicado emular a eficiência e impassividade do T., o filho do outro anfitrião e proprietário, o M., quando cravou um espigão na nuca "para anestesiar" e depois rapidamente me explicou como degolar o animal enquanto o segurava, ignorando o facto de eu estar ainda atónito com esta imersão repentina no ciclo de vida e de morte da quinta.
Ao ajudá-lo a preparar a carcaça para o entregar a um cliente no dia seguinte o T. informa-me que a reentrância de cimento no alpendre onde estávamos a enganchar o ex-carneiro, totalmente aberta para a paisagem, era também o único duche. Seria eu a limpá-lo nessa noite, ao tomar banho com a água aquecida a lenha, que depois carregaria e içaria para um bidão de gasolina vazio e furado por baixo, limpando assim o chão empapado de sangue. A parte difícil é na verdade segurar a lanterna de campismo com a boca para não estar às escuras, mas mesmo com os pés pastosos e cor-de-rosa estar ali exposto às estrelas é uma experiência de humildade e uma distracção muito bem vinda, uma vez que todos problemas se reduzem à mesma proporção que a fragilidade do corpo ao relento. E depois desaparecem por um momento.
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