Album [XXIV] : Mulheres do Soajo
Postais comprados no Mezio, a superioridade numérica das viúvas nas montanhas do Minho tornam óbvio que os homens são criaturas pouco fiáveis e mal adaptadas a este estilo de vida
10.11.14
Tentativa, erro, tentativa
Quando ás vezes ocorre uma sequência de coincidências num curto espaço de tempo parece que algo exterior a nós se deu ao trabalho de nos conduzir com pouca subtileza a um raciocínio pré definido, e quase acreditamos que há alguma maquinação superior envolvida.
Numa semana há pouco tempo atrás fui abordado por um casal amigo vindo de Israel e que conheci durante o WWOOF porque tencionam fixar-se cá e na altura tinham gostado de um local em Odemira auspiciosamente caracterizado pela ausência tanto de rockets como de Haredim.
Falamos um pouco das especificidades de viver em Portugal e do modo como pretendiam integrar-se através da produção agrícola e turismo e também do local que acabaram por escolher, numa encosta contígua ao Vale de Santiago.
A escolha acabou por ser fácil porque descobriram no local outros oito expatriados israelitas que tinham escolhidos terrenos vizinhos para se fixarem e a vinda deles serviria para intensificarem a junção de esforços e despesas.
Esta coexistência levanta-me sempre alguns receios - quando se escolhe um terreno algo tão importante ou quase como a água é a vizinhança. Quando se está a comprar o terreno é fulcral, quando se quer partilhar é um teste de diplomacia embora quase nunca o aparente no entusiasmo inicial. Felizmente o pragmatismo deles parece levá-los numa direcção mais próxima de um condomínio do que de uma comunidade no sentido coabitacional.
Poucos dias depois durante uma conversa com mais um membro deste microcosmo de excêntricos (na verdade é um elogio) sei que a ecoaldeia de Janas, comunidade no sentido coabitacional que visitei há pouco mais de um ano, estava agora, depois de um período de incerteza de há uns meses, a "recrutar" pessoas do resto do país para continuarem o seu projecto. Estão em Sintra e são um sítio interessante para visitar, especialmente agora que consolidam a sua actividade, mais centrada na formação e na relação com a cidade. Acho que é uma opção que faz mais pela sua viabilidade do que uma noção mais purista de viver de e para a natureza exclusiva e autonomamente.
No final da semana as duas coisas cruzaram-se quando a meio d' Os Operários de Raul Brandão (que aprecio mais como cronista), encontro o capítulo "Uma Comuna no Alentejo", sobre a Comuna da Luz do anarquista tolstoiano António Gonçalves Correia (cuja frase "A revolução é a minha namorada" ficou como uma improvável herança literária). Foi a primeira experiência de uma comunidade anarquista em Portugal e procurou pôr 14 pessoas a viver segundo princípios igualitários, do vegetarianismo e do amor livre.
Independentemente do enquadramento ideológico o projecto é muito interessante: os residentes trabalham para o seu sustento e troca com a comunidade, através da componente agrícola e artesanal (calçado), a auto-construção garante habitação para todos, as tarefas são partilhadas e eventualmente incluiria depois uma escola básica e oficinal aberta.
Se em 2014 uma comunidade assim é relativamente bizarra a sua concretização em 1917 é totalmente explosiva, especialmente porque (apenas) um dos seus membros era uma corajosa professora. Inevitavelmente a experiência foi sendo esmagada por todo o tipo de pressões, que inclui a acusação de envolvimento numa conspiração para assassinar Sidónio Pais. Provavelmente o desiquílibrio entre géneros e a inexperiência inerente a algo deste tipo teria aniquilado a comunidade de qualquer forma, e dois difíceis anos depois foi-se a Luz.
Existiu a escassos quilómetros do local onde os israelitas desenraízados estão neste momento a estabelecer-se.Depois do fim da Comuna da Luz foi fundada nova e igualmente fugaz tentativa pelo seu líder intermitente, chamada Comuna Clarão, a escassos 10 quilómetros de Janas também em Sintra.
Transmiti esta curiosidade a quem me apresentou a estes locais mas não suscitou grande interesse. Alguns locais parecem destinados a acolher ciclicamente certos cenários e os actores improvisam novos guiões com maior ou menor consciência do material de base.
Por mim, no papel sempre secundarizado mas de total privilégio de assistente na plateia, estou ansioso por visitá-los no próximo Verão.
Numa semana há pouco tempo atrás fui abordado por um casal amigo vindo de Israel e que conheci durante o WWOOF porque tencionam fixar-se cá e na altura tinham gostado de um local em Odemira auspiciosamente caracterizado pela ausência tanto de rockets como de Haredim.
Falamos um pouco das especificidades de viver em Portugal e do modo como pretendiam integrar-se através da produção agrícola e turismo e também do local que acabaram por escolher, numa encosta contígua ao Vale de Santiago.
A escolha acabou por ser fácil porque descobriram no local outros oito expatriados israelitas que tinham escolhidos terrenos vizinhos para se fixarem e a vinda deles serviria para intensificarem a junção de esforços e despesas.
Esta coexistência levanta-me sempre alguns receios - quando se escolhe um terreno algo tão importante ou quase como a água é a vizinhança. Quando se está a comprar o terreno é fulcral, quando se quer partilhar é um teste de diplomacia embora quase nunca o aparente no entusiasmo inicial. Felizmente o pragmatismo deles parece levá-los numa direcção mais próxima de um condomínio do que de uma comunidade no sentido coabitacional.
Casa principal em Janas, quando a visitei ao descer de bicicleta (á esquerda) pelo litoral |
Poucos dias depois durante uma conversa com mais um membro deste microcosmo de excêntricos (na verdade é um elogio) sei que a ecoaldeia de Janas, comunidade no sentido coabitacional que visitei há pouco mais de um ano, estava agora, depois de um período de incerteza de há uns meses, a "recrutar" pessoas do resto do país para continuarem o seu projecto. Estão em Sintra e são um sítio interessante para visitar, especialmente agora que consolidam a sua actividade, mais centrada na formação e na relação com a cidade. Acho que é uma opção que faz mais pela sua viabilidade do que uma noção mais purista de viver de e para a natureza exclusiva e autonomamente.
No final da semana as duas coisas cruzaram-se quando a meio d' Os Operários de Raul Brandão (que aprecio mais como cronista), encontro o capítulo "Uma Comuna no Alentejo", sobre a Comuna da Luz do anarquista tolstoiano António Gonçalves Correia (cuja frase "A revolução é a minha namorada" ficou como uma improvável herança literária). Foi a primeira experiência de uma comunidade anarquista em Portugal e procurou pôr 14 pessoas a viver segundo princípios igualitários, do vegetarianismo e do amor livre.
Independentemente do enquadramento ideológico o projecto é muito interessante: os residentes trabalham para o seu sustento e troca com a comunidade, através da componente agrícola e artesanal (calçado), a auto-construção garante habitação para todos, as tarefas são partilhadas e eventualmente incluiria depois uma escola básica e oficinal aberta.
Das poucas imagens que encontrei na internet sobre a Comuna da Luz, infelizmente Brandão não era também fotógrafo Fonte 1 e fonte 2 |
Se em 2014 uma comunidade assim é relativamente bizarra a sua concretização em 1917 é totalmente explosiva, especialmente porque (apenas) um dos seus membros era uma corajosa professora. Inevitavelmente a experiência foi sendo esmagada por todo o tipo de pressões, que inclui a acusação de envolvimento numa conspiração para assassinar Sidónio Pais. Provavelmente o desiquílibrio entre géneros e a inexperiência inerente a algo deste tipo teria aniquilado a comunidade de qualquer forma, e dois difíceis anos depois foi-se a Luz.
Existiu a escassos quilómetros do local onde os israelitas desenraízados estão neste momento a estabelecer-se.Depois do fim da Comuna da Luz foi fundada nova e igualmente fugaz tentativa pelo seu líder intermitente, chamada Comuna Clarão, a escassos 10 quilómetros de Janas também em Sintra.
Transmiti esta curiosidade a quem me apresentou a estes locais mas não suscitou grande interesse. Alguns locais parecem destinados a acolher ciclicamente certos cenários e os actores improvisam novos guiões com maior ou menor consciência do material de base.
Por mim, no papel sempre secundarizado mas de total privilégio de assistente na plateia, estou ansioso por visitá-los no próximo Verão.
29.10.14
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wwoof
Exército de um homem só
No início do século XIX em Inglaterra a nova moda do naturalismo romântico nos jardins privados atinge um novo patamar quando vários proprietários contratam eremitas para suspirarem em grutas ou abrigos nas suas propriedades em regime de permanência. Um foi despedido porque foi visto num pub ao fim de alguns dias. |
O escapismo bucólico, para além da utopia comunitária assume muitas vezes a forma do herói solitário, que à mesma purificação pela imersão nesse reino subjectivo da Natureza idealizada incorpora o bónus de uma liberdade aparentemente mais fundamental - a de ninguém para chatear.
Ainda hoje a sua forma moderna, o Síndrome McCandless, é capaz de fazer emergir fantasias de fuga ou reacções diversas a esta forma peculiar de auto-destruição (quase sempre por homens jovens, sempre criativos nesta área).
Associado temporariamente a uma actividade introspectiva, para criar ou viajar, o isolamento tem inúmeras virtudes porque suspende o quotidiano e cria um contexto interior de possibilidade ou protagonismo - viajar sozinho em parques naturais massaja o ego porque faz muitas vezes pensar que se tem o privilégio de ver o que no fundo são espectáculos privativos oferecidos pela paisagem.
O meu cepticismo face a esta forma de vida, vem da experiência em muito curto prazo do que é viver assim - pelo menos a aura de dificuldade é bastante autêntica - mas também por causa da admissão, raramente fácil, que o isolamento é uma resposta instintiva a uma incapacidade de manter ou criar relações pessoais. Abdicar destas relações é uma simplificação enganadora.
A experiência de Walden é útil para se perceber esta projeção das ansiedades da sociedade - o seu protagonista nunca pretendeu esconder que almoçava frequentemente com a família; que visitava a biblioteca e a cidade quase todos os dias (que fica perto) e que recebia bastantes visitas. O facto de hoje ser erroneamente visto como uma experiência mística de isolamento em vez de uma forma de resistência política e crítica aos primórdios do trabalho, do consumo e da propriedade remete outra vez para os idealismos projetado nos putativos eremitas. A realidade é ás vezes uma desilusão!
Em termos práticos uma predisposição pessoal para o isolamento é totalmente incongruente com o objectivo de integrar na comunidade aquilo que pretendo fazer. Não é possível conseguir que o espaço seja entendido como partilhado sem a capacidade de socializar e envolver pessoas, quanto mais conseguir vender e valorizar o que produzo num regime de proximidade.
É um desafio muito maior do que produzir e tenho agora a noção de que é o meu maior problema.
21.9.14
Pessoas [VII] Irmão Roque
São Roque foi o herdeiro de um nobre francês no século XIV que renunciou ao seu título e doou todos os bens familiares para vaguear pela Europa central como peregrino mendicante, apesar de nunca se ter dado ao trabalho de se juntar a uma ordem ou instituição religiosa.
Nas cidades fazia sobretudo trabalho a ajudar vítimas da peste negra, como assistir a enfermos e enterrar os mortos, trabalho evitado por quase todos, acabando por contrair também a doença.
O milagre pelo que é mais famoso vem de se acreditar que o cão adoptado que o acompanhava lhe trazer diariamente um pedaço de pão e lhe lamber as chagas da peste, o que o curava miraculosamente e não o deixava morrer à fome, permitindo que continuasse a andar por mais um dia.
Morreu na prisão acusado de espionagem, uma vez que cruzava várias fronteiras e não tinha modo nenhum de provar a sua identidade, sendo suspeito por ser pobre mas letrado.
É o padroeiro dos falsamente acusados, dos cães, dos solteiros, dos peregrinos caminhantes, dos vendedores em segunda mão e dos cavadores de sepulturas.
14.9.14
Fertilidade gratuita
Lucrando desavergonhadamente com a frustração e insónia da comunidade académica, recolho algumas vezes por semana as borras de café do bar da UM, que anualmente podem poupar-me mais de 1,5 toneladas de adubo orgânico que de outro modo iriam engordar um aterro.
Para além de serem uma espécie de mistura de anfetaminas, viagra e chocolate para minhocas são um material azotado com PH neutro, já esterilizado (as substâncias chatas e acidificantes ficam com os 5% que vão para fazer os cafés), já processado, que melhora a retenção de água e está pronto a usar na pilha de composto. Tenho conseguido solo ao fim de um mês na pilha semi-enterrada, mesmo com temperaturas de Inverno.
Para usar as que têm em casa deixo alguns conselhos: inibe a germinação por isso não usem directamente em plantas jovens mas ajuda a afastar ervas indesejadas em torno das mais estabelecidas; misturem com partes iguais de materiais ricos em carbono (papel reciclado, folhas secas, palha, etc); não permitam que ultrapassem uns 25-30% do total do composto; permitam o acesso a minhocas.
Para além de serem uma espécie de mistura de anfetaminas, viagra e chocolate para minhocas são um material azotado com PH neutro, já esterilizado (as substâncias chatas e acidificantes ficam com os 5% que vão para fazer os cafés), já processado, que melhora a retenção de água e está pronto a usar na pilha de composto. Tenho conseguido solo ao fim de um mês na pilha semi-enterrada, mesmo com temperaturas de Inverno.
Para usar as que têm em casa deixo alguns conselhos: inibe a germinação por isso não usem directamente em plantas jovens mas ajuda a afastar ervas indesejadas em torno das mais estabelecidas; misturem com partes iguais de materiais ricos em carbono (papel reciclado, folhas secas, palha, etc); não permitam que ultrapassem uns 25-30% do total do composto; permitam o acesso a minhocas.
18.1.14
Esperar
De Dezembro a Fevereiro os calendários de sementes
estão em branco, apenas cantam as aves sedentárias, as árvores estão em modo de
suspensão.
Esta pausa de Inverno, aqui na suavidade
de quem está longe do Pólo e do Equador, é um ritual óbvio mas que
nem por isso torna mais fácil a adaptação no primeiro ano em que se vive e a depende da cadência das estações.
Em vez de um longo descanso antes das 12 horas
diárias de trabalho do Verão, começa o pico da (quase) estagnação a ser um teste
á resolução em relação a tudo aquilo que se planeia vezes sem conta nos cadernos,
guardanapos e discussões com quem já passa pelo mesmo há mais tempo.
Quem passou ou passa por algum processo de planeamento sabe que ao fim de um tempo o raciocínio começa a ser circular e cada vez menos crítico, especialmente sem o valioso contributo externo.
Quem passou ou passa por algum processo de planeamento sabe que ao fim de um tempo o raciocínio começa a ser circular e cada vez menos crítico, especialmente sem o valioso contributo externo.
Quando comecei sabia que tinha que me preparar
para aprender a fazer e a falhar inevitavelmente mas não estava pronto para me
defender dos rigores da espera, quando as possibilidades todas ainda parecem
muito distantes e quando se tem tempo a mais para pensar.
Felizmente de cada vez que se sai 5 minutos mais tarde por causa da luz fico gradualmente obrigado a concretizar mais e a divagar menos.
12.1.14
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