Mãos que libertam






























No post anterior fica o primeiro episódio do regresso desta série, desta vez 40 anos mais à frente, na ante-câmara da agricultura motorizada. Parece um oxímoro: um reality show didáctico.
O enorme sucesso da primeira série no Reino Unido foi assumido pela produtora BBC como inesperado, o que não é surpreendente uma vez que o programa foca frequentemente técnicas próximas de um fulminante mas discreto desaparecimento, às vezes cingidas a um punhado de sobreviventes que a elas dedicam os seus tempos livres.

Mas o seu êxito parece fácil de explicar- vivemos num momento em que ninguém sabe de onde vem aquilo que se usa ou que se come e onde a divisão de trabalho está tão estratificada e diluída na sociedade que sentimos que o trabalho ultra-especializado que a maioria de nós desempenha, para comprar o que usamos e comemos, não tem qualquer relevância prática ou está muito distante da proveniência das coisas de que verdadeiramente precisamos. Falta por vezes um sentido de finalidade no trabalho que contribua para que nos sintamos úteis também enquanto membros da sociedade.

Nada disso existe nestes episódios- os participantes sabem reproduzir salmão, fabricar ferramentas e plantar morangos e dezenas de outras coisas igualmente díspares, os locais de trabalho envolvem toda a região, os dias são  completamente diferentes e as aptidões muitas, com a rotação das estações a transformar constantemente o quotidiano dos meses anteriores, obrigando a pôr em acção um novo leque de qualidades.
 Nesta série, pessoas normais (são académicos, não agricultores ou artesãos) aprendem a fazer tudo a partir do nada, recolhendo imediatamente os frutos do seu trabalho, ficando tão surpreendidos como nós com o que afinal se consegue fazer à mão.
Cada sucesso provoca no público muita empatia, e por vezes imensa inveja ou alguma tristeza pela delicadeza e engenho de coisas que a modernidade supostamente tornou redundantes ou sem valor.

Imagino que se tenha uma sensação de poder e de realização, ao ser capaz de satisfazer muitas necessidades básicas directamente. Comparando com o actual percurso do trabalho, que orienta quase exclusivamente para o "atalho" da aquisição, imagino também que dê muitas vezes uma incrível sensação de liberdade.
Durante um punhado de episódios, podemos partilhar dessa liberdade.

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